Há dias assisti a um documentário e a um debate sobre saúde mental, e alguém que também lá esteve
comentou comigo que seria interessante saber o que pensam as outras medicinas
sobre o assunto.
Claro que falo apenas em meu nome, e vou começar por dizer
que, apesar de não gostar do termo “Medicinas Alternativas”, neste particular
das doenças mentais não posso deixar de pensar que somos mesmo alternativos,
porque não consigo entender as soluções que passam por choques ou drogas pesadas
durante anos a fio. Já não tenho a certeza, mas penso que no filme não foram
mostrados ou referidos os tratamentos com choques, mas percebeu-se perfeitamente a quantidade
alarmante de drogas que estes doentes tomam para estar “controlados”.
Talvez pudéssemos começar por
pensar o que é ser “normal”? Pois julgo que não erro se disser que seja estar
de acordo com os padrões da maioria. Neste caso das doenças, normal será aquele
que não sofre de alterações a nível físico ou psicológico.
Assim, vamos considerar aqui como
doenças mentais aquelas que produzem disfunções cerebrais e alterações crónicas
ao comportamento dito “socialmente correto”, e para as quais não existem causas
físicas.
Claro que para nós não existem
causas físicas mas existem causas emocionais e, socorrendo-me de Louise Hay, posso
dizer que ela considera que a causa provável para a demência é a fuga à
realidade, a recusa em lidar com o mundo tal como ele é.
Para o doente mental o mundo não
é um lugar seguro, e portanto fugir dele é a sua melhor opção. (Há dias li,
numa enciclopédia médica, que a esquizofrenia, por exemplo, não rouba a lucidez
ao doente. E sei que dei por mim a pensar... será que fugir da
realidade deste mundo louco pode ser considerado falta de lucidez?)
Mas bom, com ou sem lucidez, um
doente mental é aquela pessoa que recusou viver no mundo e que se refugiou no
seu próprio mundo, "borrifando-se" claramente para tudo o que a sociedade considera “normal”. (talvez eu também seja doente mental??? ;) )
Claro que será a forma como a
pessoa reage à sua insegurança e ao seu desejo de fuga que irá ditar o tipo de
doença que vai ter. Alguns podem rejeitá-lo com raiva e desespero, ficando
violentos ou tendo surtos de violência, outros também com desespero mas
sentindo-se impotentes e preferindo esquecer (Mal de Alzheimer), ou outros
ainda que apenas desejam regressar à segurança que sentiram na infância, como
nos casos de senilidade, por exemplo, and so on....
Evidentemente que nada destas
coisas a pessoa faz com consciência do que está a fazer, tudo isto nasce e
morre no subconsciente. Mas é preciso que quem lida com estes doentes perceba
os seus medos, para os poder ajudar. Na minha perspetiva, de nada serve pensar
que temos de incluir estas pessoas na sociedade como pessoas normais. Será que
podemos fazê-lo? Será que elas são “normais”? Como vamos fazê-lo se o que elas
querem é mesmo fugir da sociedade e recusam a nossa “normalidade”? Não será
mais lógico mantê-las num sítio onde elas possam sentir-se em segurança? Não
deverá a cura passar por fazê-las sentir o mundo como um lugar seguro?
Até hoje tive apenas duas clientes
com esquizofrenia diagnosticada. Às duas estavam a ser aplicados choques elétricos,
coisa que elas, evidentemente, repudiavam, tornando dramático para as famílias
ter de as levar lá.
Vou começar pelo primeiro caso,
uma miúda de 12 ou 13 anos. Pouco a conheci, porque só fez a primeira sessão. A
mãe, que sofria horrores sempre que ela ia levar os ditos choques, tinha imaginado que eu ia induzir-lhe “bons
pensamentos” sobre os choques e os tratamentos em geral, e que eu ia usar a
electro-hipnose para a mentalizar a aceitar tudo aquilo. Claro que não fiz nada
disso, não foi para isso que comprei uma máquina fabulosa, e expliquei isso
mesmo. Sem qualquer resultado, porque a mãe, sentindo-se defraudada nas suas
expectativas, desistiu das minhas sessões.
Em relação à segunda, que vou tratar por V., tivemos
oportunidade de nos conhecer muito bem. E posso garantir que a V. teve uma
recuperação muito boa: quando começámos ninguém conseguia tirá-la de casa, e a
última vez que a vi estava num hipermercado a fazer compras com a mãe. E ainda
hoje recordo o seu cumprimento alegre e afectuoso, de quem começava a estar de
bem com a vida.
Era uma mulher de 40 anos, muito
maior do que eu, e confesso que quando começámos várias vezes senti algum medo.
Digamos que escolhia muito bem as palavras que lhe dizia, porque tinha receio
que me julgasse mal e que pudesse tornar-se violenta. Apresentava-se sempre
muito rígida, desconfiada e agressiva quando eu tentava conversar, cheia de medos.
Na altura eu
ainda fazia terapia na Clínica e a minha preocupação era que ela nunca ficasse
na sala de espera, porque ela tinha medo das pessoas e da televisão. A televisão
era “deles” e “eles” eram maus, queriam matá-la.
A V. tinha também a convicção
de que tinha poderes de leitura de acontecimentos paranormais, e a pouco e
pouco foi confiando em mim para me contar algumas coisas. E querem saber?
Muitas vezes me perguntei se a esquizofrenia não tinha resultado do mau
entendimento que os psiquiatras tivessem feito desta capacidade que acredito que ela tinha, e se essa
incompreensão, a medicação, os choques e tudo o mais não lhe foram moldando o
ódio que ia sentindo pela sociedade, aumentando a sua incapacidade de ser
“normal”, estigmatizando-a.
Foi uma questão de tempo e a sua
expressão foi-se “amaciando”, e recordo-me que um dia me disse uma coisa que me
deixou deveras emocionada: “A Lina está cada vez mais bonita!” e sorria ao
dizê-lo. Claro que eu estava como sempre fui, os olhos dela sobre mim é que
passaram a ser outros. Estávamos a progredir, sem dúvida, e a mãe estava tão ou
mais encantada quanto eu.
As melhoras eram evidentes mas
ela continuava a ser seguida nas consultas de psiquiatria, e, quando eu
perguntei à mãe se tinha falado com o médico sobre as terapias e a necessidade
de reduzir mais a medicação, foi um susto para a senhora! Porquê? – perguntei
eu. “- Porque o médico não sabe! Pode não gostar e depois recusar-se a tratá-la
mais.” Note-se, não são os médicos que
têm culpa. São as pessoas. Aquela mãe estava radiante com o que estávamos a
conseguir mas, mesmo assim, teve medo. E mesmo sem saber o que o médico pensava
decidiu nada dizer sobre o assunto! Por mim pensei que teria sido uma boa
oportunidade de mostrar ao médico outra perspetiva, outra forma de tratar uma
doença para a qual a medicina convencional não encontra cura, quem sabe até abrir novas perspetivas?
Bom, mas no meio disto aconteceu
o meu divórcio e a saída da Clínica, e, como para um doente destes é muito
difícil lidar com mudanças de cenário, a V. deixou de ir fazer terapia. Mas não
posso esquecer que contribuíram também outros fatores familiares e culturais
(aquela família não aceitava o divórcio), e sei que também contou o fator económico.
Um caso destes exige mais do que apenas
uma terapia por mês, e acontece também que o Estado não comparticipa estes
tratamentos, nem sequer permite a sua inclusão como custos de saúde. E isso
torna difícil para algumas famílias suportar os custos.
A última vez que vi a mãe, já há bastante
tempo, a V. tinha sido internada. Apeteceu-me bater à mãe ou dizer asneiras, mas, como diz uma amiga minha, sorri e acenei ;)
Voltando ao que caracteriza estas
doenças, sabemos que duma forma geral as pessoas quando estão doentes querem
curar-se, e procuram a cura. Mas o que acontece com doentes deste tipo? Aqui
temos dois grandes contras: primeiro, raramente reconhecem que estão doentes; e
segundo, como a doença é uma fuga, porque haveriam de se querer curar? Porque haviam de querer voltar para um mundo do qual querem fugir?
No debate a que assisti, e de que
falei no início, por parte do público que era doutras áreas que não saúde,
vieram duas perguntas que, quanto a mim, foram respondidas de forma enviesada,
e eram demasiado pertinentes naquele contexto. Espero conseguir reproduzir a
ideia subjacente a cada uma delas:
1ª – Como é a evolução duma
doença destas, ou seja, como é que se passa de “pessoa normal” para “doente
mental”? Todos podemos vir a sofrer de esquizofrenia? Alzheimer?
A minha resposta: - Claro que sim! No mundo louco em que vivemos
quase considero lógico procurar sair dele, fugir. Que podemos fazer para
evitar isso? Vigiar os nossos sentimentos pelo mundo e procurar ajuda
psicológica sempre que não estivermos a conseguir aceitar a realidade.
2º - Como se deteta e o que se
faz quando se encontra alguém com sinais que revelem um primeiro estádio duma doença
mental? Como se pode ajudar?
A minha resposta: - Seguindo toda a lógica que expus, julgo que
a ajuda que poderemos dar seja tentar fazê-los sentir-se seguros, tentar
encontrar uma forma de os reenquadrar no mundo. Como? Pois, cada pessoa é um
caso, e cada pessoa saberá no seu íntimo qual o motivo que a levou a quer fugir
do mundo, porque não se sente segura nele. A nós compete-nos respeitar essa
fuga, mas tentar compreender os motivos profundos, para depois tentar demonstrar
que o mundo é um lugar seguro. E todos sabemos que não é tarefa fácil…Talvez arranjar um animal de estimação
ajude a encontrar maior segurança? Maior amor por algo exterior ao doente?
E –
claro! – vir fazer a “minha” terapia pode ajudar, na medida em que reequilibra
as emoções, não é agressiva e perspectiva outra visão sobre este assunto. Com sucesso.