sábado, 29 de outubro de 2016

Doenças mentais


Há dias assisti a um documentário e a um debate sobre saúde mental, e alguém que também lá esteve comentou comigo que seria interessante saber o que pensam as outras medicinas sobre o assunto. 

Claro que falo apenas em meu nome, e vou começar por dizer que, apesar de não gostar do termo “Medicinas Alternativas”, neste particular das doenças mentais não posso deixar de pensar que somos mesmo alternativos, porque não consigo entender as soluções que passam por choques ou drogas pesadas durante anos a fio. Já não tenho a certeza, mas penso que no filme não foram mostrados ou referidos os tratamentos com choques, mas percebeu-se perfeitamente a quantidade alarmante de drogas que estes doentes tomam para estar “controlados”.

Talvez pudéssemos começar por pensar o que é ser “normal”? Pois julgo que não erro se disser que seja estar de acordo com os padrões da maioria. Neste caso das doenças, normal será aquele que não sofre de alterações a nível físico ou psicológico.

Assim, vamos considerar aqui como doenças mentais aquelas que produzem disfunções cerebrais e alterações crónicas ao comportamento dito “socialmente correto”, e para as quais não existem causas físicas.

Claro que para nós não existem causas físicas mas existem causas emocionais e, socorrendo-me de Louise Hay, posso dizer que ela considera que a causa provável para a demência é a fuga à realidade, a recusa em lidar com o mundo tal como ele é.

Para o doente mental o mundo não é um lugar seguro, e portanto fugir dele é a sua melhor opção. (Há dias li, numa enciclopédia médica, que a esquizofrenia, por exemplo, não rouba a lucidez ao doente. E sei que dei por mim a pensar... será que fugir da realidade deste mundo louco pode ser considerado falta de lucidez?)

Mas bom, com ou sem lucidez, um doente mental é aquela pessoa que recusou viver no mundo e que se refugiou no seu próprio mundo, "borrifando-se" claramente para tudo o que a sociedade considera “normal”. (talvez eu também seja doente mental??? ;) )

Claro que será a forma como a pessoa reage à sua insegurança e ao seu desejo de fuga que irá ditar o tipo de doença que vai ter. Alguns podem rejeitá-lo com raiva e desespero, ficando violentos ou tendo surtos de violência, outros também com desespero mas sentindo-se impotentes e preferindo esquecer (Mal de Alzheimer), ou outros ainda que apenas desejam regressar à segurança que sentiram na infância, como nos casos de senilidade, por exemplo, and so on....

Evidentemente que nada destas coisas a pessoa faz com consciência do que está a fazer, tudo isto nasce e morre no subconsciente. Mas é preciso que quem lida com estes doentes perceba os seus medos, para os poder ajudar. Na minha perspetiva, de nada serve pensar que temos de incluir estas pessoas na sociedade como pessoas normais. Será que podemos fazê-lo? Será que elas são “normais”? Como vamos fazê-lo se o que elas querem é mesmo fugir da sociedade e recusam a nossa “normalidade”? Não será mais lógico mantê-las num sítio onde elas possam sentir-se em segurança? Não deverá a cura passar por fazê-las sentir o mundo como um lugar seguro?

Até hoje tive apenas duas clientes com esquizofrenia diagnosticada. Às duas estavam a ser aplicados choques elétricos, coisa que elas, evidentemente, repudiavam, tornando dramático para as famílias ter de as levar lá.

Vou começar pelo primeiro caso, uma miúda de 12 ou 13 anos. Pouco a conheci, porque só fez a primeira sessão. A mãe, que sofria horrores sempre que ela ia levar os ditos choques,  tinha imaginado que eu ia induzir-lhe “bons pensamentos” sobre os choques e os tratamentos em geral, e que eu ia usar a electro-hipnose para a mentalizar a aceitar tudo aquilo. Claro que não fiz nada disso, não foi para isso que comprei uma máquina fabulosa, e expliquei isso mesmo. Sem qualquer resultado, porque a mãe, sentindo-se defraudada nas suas expectativas, desistiu das minhas sessões.

Em relação à segunda, que vou tratar por V., tivemos oportunidade de nos conhecer muito bem. E posso garantir que a V. teve uma recuperação muito boa: quando começámos ninguém conseguia tirá-la de casa, e a última vez que a vi estava num hipermercado a fazer compras com a mãe. E ainda hoje recordo o seu cumprimento alegre e afectuoso, de quem começava a estar de bem com a vida.

Era uma mulher de 40 anos, muito maior do que eu, e confesso que quando começámos várias vezes senti algum medo. Digamos que escolhia muito bem as palavras que lhe dizia, porque tinha receio que me julgasse mal e que pudesse tornar-se violenta. Apresentava-se sempre muito rígida, desconfiada e agressiva quando eu tentava conversar, cheia de medos. 

Na altura eu ainda fazia terapia na Clínica e a minha preocupação era que ela nunca ficasse na sala de espera, porque ela tinha medo das pessoas e da televisão. A televisão era “deles” e “eles” eram maus, queriam matá-la. 

A V. tinha também a convicção de que tinha poderes de leitura de acontecimentos paranormais, e a pouco e pouco foi confiando em mim para me contar algumas coisas. E querem saber? Muitas vezes me perguntei se a esquizofrenia não tinha resultado do mau entendimento que os psiquiatras tivessem feito desta capacidade que acredito que ela tinha, e se essa incompreensão, a medicação, os choques e tudo o mais não lhe foram moldando o ódio que ia sentindo pela sociedade, aumentando a sua incapacidade de ser “normal”, estigmatizando-a.

Foi uma questão de tempo e a sua expressão foi-se “amaciando”, e recordo-me que um dia me disse uma coisa que me deixou deveras emocionada: “A Lina está cada vez mais bonita!” e sorria ao dizê-lo. Claro que eu estava como sempre fui, os olhos dela sobre mim é que passaram a ser outros. Estávamos a progredir, sem dúvida, e a mãe estava tão ou mais encantada quanto eu.

As melhoras eram evidentes mas ela continuava a ser seguida nas consultas de psiquiatria, e, quando eu perguntei à mãe se tinha falado com o médico sobre as terapias e a necessidade de reduzir mais a medicação, foi um susto para a senhora! Porquê? – perguntei eu. “- Porque o médico não sabe! Pode não gostar e depois recusar-se a tratá-la mais.”  Note-se, não são os médicos que têm culpa. São as pessoas. Aquela mãe estava radiante com o que estávamos a conseguir mas, mesmo assim, teve medo. E mesmo sem saber o que o médico pensava decidiu nada dizer sobre o assunto! Por mim pensei que teria sido uma boa oportunidade de mostrar ao médico outra perspetiva, outra forma de tratar uma doença para a qual a medicina convencional não encontra cura, quem sabe até abrir novas perspetivas?

Bom, mas no meio disto aconteceu o meu divórcio e a saída da Clínica, e, como para um doente destes é muito difícil lidar com mudanças de cenário, a V. deixou de ir fazer terapia. Mas não posso esquecer que contribuíram também outros fatores familiares e culturais (aquela família não aceitava o divórcio), e sei que também contou o fator económico.

Um caso destes exige mais do que apenas uma terapia por mês, e acontece também que o Estado não comparticipa estes tratamentos, nem sequer permite a sua inclusão como custos de saúde. E isso torna difícil para algumas famílias suportar os custos.

A última vez que vi a mãe, já há bastante tempo, a V. tinha sido internada. Apeteceu-me bater à mãe ou dizer asneiras, mas, como diz uma amiga minha, sorri e acenei ;)

Voltando ao que caracteriza estas doenças, sabemos que duma forma geral as pessoas quando estão doentes querem curar-se, e procuram a cura. Mas o que acontece com doentes deste tipo? Aqui temos dois grandes contras: primeiro, raramente reconhecem que estão doentes; e segundo, como a doença é uma fuga, porque haveriam de se querer curar? Porque haviam de querer voltar para um mundo do qual querem fugir?

No debate a que assisti, e de que falei no início, por parte do público que era doutras áreas que não saúde, vieram duas perguntas que, quanto a mim, foram respondidas de forma enviesada, e eram demasiado pertinentes naquele contexto. Espero conseguir reproduzir a ideia subjacente a cada uma delas:

1ª – Como é a evolução duma doença destas, ou seja, como é que se passa de “pessoa normal” para “doente mental”? Todos podemos vir a sofrer de esquizofrenia? Alzheimer?

A minha resposta:  - Claro que sim! No mundo louco em que vivemos quase considero lógico procurar sair dele, fugir. Que podemos fazer para evitar isso? Vigiar os nossos sentimentos pelo mundo e procurar ajuda psicológica sempre que não estivermos a conseguir aceitar a realidade.

2º - Como se deteta e o que se faz quando se encontra alguém com sinais que revelem um primeiro estádio duma doença mental? Como se pode ajudar?

A minha resposta:  - Seguindo toda a lógica que expus, julgo que a ajuda que poderemos dar seja tentar fazê-los sentir-se seguros, tentar encontrar uma forma de os reenquadrar no mundo. Como? Pois, cada pessoa é um caso, e cada pessoa saberá no seu íntimo qual o motivo que a levou a quer fugir do mundo, porque não se sente segura nele. A nós compete-nos respeitar essa fuga, mas tentar compreender os motivos profundos, para depois tentar demonstrar que o mundo é um lugar seguro. E todos sabemos que não é tarefa fácil…Talvez arranjar um animal de estimação ajude a encontrar maior segurança? Maior amor por algo exterior ao doente?

E – claro! – vir fazer a “minha” terapia pode ajudar, na medida em que reequilibra as emoções, não é agressiva e perspectiva outra visão sobre este assunto. Com sucesso.


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